Desacoplamento
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa
Richard Hanania é um comentarista interessante. Normalmente interpretado como alguém “de direita”, ele afirma que boa parte dos conservadores americanos, especiamente a vertente MAGA (Make America Great Again, trumpistas), são estúpidos, conspiracionistas, intolerantes e anti-democráticos.
Mesmo assim, Hanania declarou voto em Trump em 2023, por considerar que o partido republicano tinha um programa econômico melhor que o democrata (desde então, parece que ele se decepcionou e se arrependeu).
Ele justifica essa aparente contradição dizendo ser uma pessoa com alto grau de “desacoplamento” em seu raciocínio. Isso significa ser capaz de considerar diferentes assuntos com base em seus próprios méritos, sem embaralhar as coisas e sem adotar pontos de vista totalizantes. Segundo ele, pessoas que se interessam por política e tem baixo grau de desacoplamento tendem a acreditar que “sua tribo tem as melhores propostas e as melhores pessoas; as instituições estão contra eles; seus inimigos jogam sujo enquanto eles têm princípios demais”.
Alex Jones e Tucker Carlson seriam os exemplos máximos do baixo desacoplamento: eles acham que seus inimigos têm propostas erradas, são maus, têm intenções nefastas, estão todos trabalhando juntos e, de alguma forma, o diabo está envolvido.
Já Hanania diz ser capaz de manter uma lista mental onde anota “um ponto para os democratas, dois para os republicanos; mais um ponto para os democratas, mas como esse tema é mais importante, este ponto tem um peso maior”, etc.
Essa diferenciação entre alto e baixo desacoplamento me parece importante. Até certo ponto parece ter a ver simplesmente com inteligência, mas não é tão simples. Tanto análise (separação de algo em seus componentes) quanto síntese (junção de componentes em um amálgama) são importantes e requerem inteligência. Ter alta/baixa capacidade de desacoplamento talvez corresponda a investir a inteligência exclusivamente em análise/síntese.
Excesso de análise produz alguém que não consegue ver as semelhanças entre nazismo e comunismo, porque se perde nos detalhes. Excesso de síntese leva à afirmação de que Hitler era socialista.
Temos exemplos de pessoas claramente inteligentes mas com baixo desacoplamento. Noam Chomsky achava que tudo de ruim que acontecia no mundo era culpa dos EUA e do capitalismo; Olavo de Carvalho chamava todo mundo de quem não gostava de comunista, da rede Globo ao FMI.
Quem tem alto desacoplamento concorda com a esquerda em alguns pontos e com a direita em outros. Aprende com a bíblia e com Christopher Hitchens; com Jordan Peterson e com Richard Dawkins; com Reinaldo Azevedo e com… o outro Reinaldo Azevedo.
Falando em Jordan Peterson, vi uma observação dele outro dia que é interessante e está relacionada com este assunto. Ele deu uma entrevista para uma jornalista claramente de esquerda, e ela tinha todas as opiniões que se espera de alguém com baixo desacoplamento. Como ela adotava o pacote completo de posicionamentos de sua tribo política, era possível prever tudo o que ela diria sobre os temas da hora (imigração, relações de gênero, economia, linguagem, etc).
Peterson comentou que era como se a moça não falasse com a própria voz, mas como um autômato que reproduzia uma voz gravada, uma voz que não era dela. O que o fez se lembrar de uma espécie de possessão demoníaca. Pelo menos nos filmes, o possuído sempre fala com uma voz diferente, com a voz de algum demônio. E, mais do que isso, a bíblia diz que demônios “são legião”, e o militante tribal realmente reproduz um discurso que é comum a muitas pessoas, ele de fato vocaliza uma legião.
Curioso.


