Christoph Waltz falou besteira
Sou fã do ator Christoph Waltz. Alemão que é fluente em francês e inglês, foi descrito por Quentim Tarantino como um “gênio linguístico”. Entre inúmeros prêmios, ganhou dois Oscar de melhor coadjuvante — curiosamente, os dois em filmes de Tarantino, um deles interpretando um nazista e outro interpretando um abolicionista.
Acabei de ver um vídeo dele que me decepcionou bastante, gravado quando ele recebeu o European Achievement in World Cinema no 28th European Film Awards, em 2015 (já faz tempo, mas eu não conhecia). O vídeo é este aqui:
Nesse breve discurso, Waltz afirma, sem elaborar muito, que sua carreira de sucesso se deve inteiramente, em totais 100%, à pura sorte.
Eu entendo o impulso da modéstia, de querer passar a mensagem de que não se é tão especial, que outras pessoas também podem conseguir. Mas a fala é muito infeliz.
Primeiro, ela é falsa. Simplesmente não é verdade que o sucesso de Christoph Waltz seja pura sorte. Ele é um excelente ator. Se fosse sorte, qualquer idiota poderia fazer igual, e todo mundo sabe que não é assim.
Segundo, ela é hipócrita, porque ele não é nada burro e sabe perfeitamente que está mentindo. E sabe que nós sabemos. É uma modéstia falsa e vergonhosa. Se ele dissesse que deu sorte em alguns momentos, que o acaso foi importante até certo ponto, vá lá. Mas 100%?
Terceiro, ela é perniciosa. Essa conversa mole procura desprezar justamente aquilo que é mais sublime na natureza humana, que é o desejo de ser sempre melhor, a busca da transcendência. (Como disse Ortega y Gasset, há dois tipos de pessoa no mundo: as que querem sempre se aperfeiçoar e as que estão eternamente contentes em ser exatamente o que já são.)
Esse discurso é uma versão radical e ofensiva do igualitarismo. Debitar tudo na conta da sorte é jogar fora o mérito, o talento, a dedicação, o esforço. Mas, nesse caso, ficaríamos com o quê? A que conclusão vai chegar um jovem ator ao ouvir Waltz dizer que só a sorte conta?
Não é vantagem saber várias línguas se for para falar besteira.
Eu concordo com tudo, mas às vezes fico pensando nos milhares de artistas tão talentosos quanto que não chegam nessa posição em que ele chegou. Transpondo pra literatura, minha área, até hoje acho um mistério como você chega em certos lugares que não cheguei, por exemplo. Desconfio de alguns fatores que não me permito nem falar publicamente, mas um pouco de sorte tá sem dúvida entre eles.
Confesso que por vezes falo algo similar ao que ele disse. A pergunta que eu me faço é a seguinte: Não estaria eu com medo das criticas alheias? Se sim, então se eu tivesse o poder na mão não tentaria calar estes críticos caso minha "humildade extrema" falhasse?