No começo de agosto de 1917, a situação dos revolucionários bolcheviques era deprimente. Lênin e Zinoviev haviam fugido para a Finlândia. Centenas de seus militantes estavam presos, incluindo vários líderes importantes como Trotsky, Kamenev e Lunacharsky. Seu jornal, o Pravda, tinha sido fechado por ordem do governo.
A derrocada bolchevique fora consequência das chamadas Jornadas de Julho, uma série de demonstrações violentas e anárquicas que haviam chacoalhado o país na segunda metade do mês anterior. Soldados e operários, revoltados com as terríveis condições de vida que se viam obrigados a suportar, tanto dentro do país quanto no front da grande guerra, haviam tomado as ruas da capital às centenas de milhares para protestar contra o governo, promovendo tiroteios, pilhagem e vandalismo. Apesar de os bolcheviques não terem desempenhado papel predominante nesses eventos, o primeiro ministro Kerensky desconfiava de suas atividades subversivas — Lênin fora acusado de ser um espião alemão — e decretara sua prisão em massa e o fechamento de seu jornal.
Se a situação dos bolcheviques não tivesse se alterado completamente um mês depois, a história da Rússia, e do mundo, provavelmente teria sido bem diferente. O homem cuja atuação veio salvá-los pertencia ao extremo oposto do espectro político: o comandante-em-chefe das forças armadas, general Lavr Kornilov — um homem de “coração de leão e cérebro de ovelha”, nas palavras de outro general.
Kornilov pretendia colocar ordem no país. Inicialmente, solicitou que o governo reinstituísse a pena de morte para o crime de deserção, colocasse as ferrovias e as fábricas sob controle militar e decretasse lei marcial, entre outras medidas. O objetivo era instaurar um regime militar, liderado por ele mesmo com apoio de Kerensky.
Entretanto, na primeira semana de setembro, uma confusa troca de mensagens entre os dois precipitou a situação. O primeiro ministro concluiu que o general pretendia dar um golpe; o general concluiu que o primeiro ministro estava sendo vítima de um golpe. A opinião de que só uma ditadura de pulso firme poderia evitar a anarquia estava bastante disseminada na Rússia de então. Kerensky acusou Kornilov de traição; Kornilov ordenou que tropas marchassem sobre a capital.
Eis então o momento crucial. Ameaçado pelas tropas de Kornilov, o governo precisa do apoio dos sovietes e das forças de esquerda, incluindo bolcheviques. A sorte do partido vira completamente. Seus militantes recebem armas para defender a cidade de Petrogrado (Trotsky escreveria mais tarde que “o partido perseguido acorria em socorro de um governo de repressão e calúnia; mas o salvava de uma derrocada militar apenas para matá-lo, de modo mais seguro, no terreno político”). A ameaça de Kornilov foi debelada sem necessidade de luta, mas o Comitê Militar Revolucionário, principal força dos bolcheviques em sua futura tomada do poder, começou a ser organizado.
A reputação de Kerensky terminou de evaporar; soldados prenderam seus oficiais, suspeitos de apoiar o general; a deserção voltou a crescer no exército; a extrema esquerda, que tivera acesso aos arsenais de Petrogrado para ajudar em sua defesa, preservou as armas em seu poder; e os bolcheviques, que haviam recuperado sua popularidade, tornaram-se majoritários no Soviete de Petrogrado em 31 de agosto. Segundo Trotsky, “o exército que se levantou contra Kornilov seria o exército da revolução de outubro”. Os líderes bolcheviques foram libertados. Nos últimos dias de setembro, Trotsky foi eleito presidente do Soviete de Petrogrado.
Foi nessa época que Lênin, escondido na Finlândia, escreveu o livro O Estado e a revolução, no qual enfatiza a necessidade de uma ditadura do proletariado, que seria responsável pela transição entre capitalismo e comunismo:
A supressão do estado burguês pelo estado proletário é impossível sem uma revolução violenta;
Uma revolução é, certamente, a coisa mais autoritária que há, um ato pelo qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra, com auxílio dos fuzis, das baionetas e dos canhões, meios por excelência autoritários; e o partido que triunfou tem de manter a sua autoridade pelo temor que as suas armas inspiram aos reacionários
Em carta enviada em 29 de setembro, Lênin deu vazão à sua angústia e acusou os líderes bolcheviques de serem “miseráveis traidores da causa proletária”. Argumentou ainda que qualquer demora para tomar o poder seria ou “máxima idiotice” ou “pura traição” e que, caso os bolcheviques não agissem logo, iriam “cobrir-se de vergonha e destruir a si mesmos como partido”.
No começo de outubro, Lênin volta à Rússia.
Foi assim, com uma extrema esquerda que estava fora do jogo sendo reabilitada por uma direita golpista, que se abriu o caminho para o Golpe de Outubro.